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Eclesiais de Base.






sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

CEBs e Pequenas Comunidades

José Carlos Picoli*


Li no texto aprovado e no texto original adulterado do documento de Aparecida, fala-se em CEBs e Pequenas Comunidades. Isso me lembra uma comunidade eclesial numa paróquia onde trabalhei, que rejeitou em bloco um roteiro de reflexão que trazia na capa a inscrição: “Círculo Bíblico”. Então troquei a capa, e escrevi: “Hora Santa”. Usaram o roteiro (o mesmo) com muita satisfação, e me disseram que queriam mais.

O PRECONCEITO

Há tempos que noto em muitas pessoas: leigos, padres, bispos, etc, uma antipatia ao rótulo: Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Quando ouvem este nome ou sigla, já dizem que não interessa, não querem saber ou ler nada a respeito... É uma espécie de alergia.
Alguns rejeitam pessoas ligadas às CEBs, e embolam tudo na sua rejeição. Outros compartilham o preconceito de amigos, parentes, e pessoas influentes em suas vidas. É uma alergia contagiosa. É como todo preconceito: “nunca vi, nem comi, só ouço falar” (Zeca Pagodinho). Clérigos e leigos que nunca tiveram uma experiência em nenhuma comunidade eclesial de base, souberam delas por livros, artigos, internet, fofocas (sempre negativas, é claro!), ou seja, não conhecem o que rejeitam.

MINHA EXPERIÊNCIA DE DEUS NAS CEBs

Eu venho de uma experiência de comunidades eclesiais vivas. Eram pequenos grupos de pessoas e/ou famílias que queriam colocar em prática o Evangelho em suas vidas. Participavam de Círculos Bíblicos com seus vizinhos, de um canto de bairro, e viviam uma busca de fraternidade, de solidariedade, e cultivavam uma espiritualidade pessoal e comunitária fundada especialmente nos evangelhos. Minha visão de mundo foi mudando, fui ficando mais crítico, enxergando além das aparências, tendo uma visão além do meu cotidiano: visão de conjuntura, visão da sociedade.
O método, agora vejo, era: ver a realidade, julgar com a Palavra de Deus, agir diante disso, e celebrar tudo isso. As celebrações eram mesmo celebrar a nossa vida, com nossa maneira de expressar, com os símbolos que nos falavam, com gestos que eram nossos. Aquilo nos unia, dava sentido à vida, fazia da vida projeto e Caminho.
Não havia essa coisa forçada de “temos que viver a comunhão com nossos pastores e com as demais paróquias e comunidades”. Nosso padre já estava na caminhada conosco, e ninguém pensava nele como outra instância. Muitos não gostavam quando ele dizia “verdades” de maneira rude. Mas não o viam como alguém de fora da caminhada, que não se compromete, que se considera maior que os demais, que vem de fora para impor coisas estranhas.
É evidente, que a grande maioria dos católicos ia à igreja por costume, tradição de família, uma fé que não crescia e nem comprometia com o Evangelho. Essas pessoas queriam o padre tradicional, fazendo o seu papel de rezador geral da sociedade majoritariamente católica, fazendo os ritos, os batizados, os sacramentos, as exéquias, e ponto. Se apertasse um pouco na direção do Evangelho, gritavam ou queriam mudar de padre.
E como ficávamos contentes, quando havia encontros com pessoas de outras paróquias/ comunidades, e partilhávamos nossas lutas, nossos sonhos, e nossas dificuldades. Era consolador, era animador, era unidade.
Havia a catequese, a pastoral do batismo, o grupo jovem, a equipe de liturgia, tudo como em qualquer outro lugar, mas em comunhão, com espaço para mútuo questionamento, e o padre no meio. Era natural discutirmos sempre os rumos da caminhada da comunidade, das pastorais, das reações do povo. Sentíamo-nos Igreja, cultivávamos o espírito missionário, a liberdade, a co-responsabilidade pastoral, a cidadania, e o sonho de um mundo mais justo e solidário. Ah! Havia os pecados, os impasses, as crises, os melindres, os medos, as fofocas, os ciúmes, mas isso não era posto em relevo. Era enfrentado, discutido, e não resolvido por decreto. Depois eu saí para ser seminarista, e as comunidades foram crescendo, também social e politicamente.

AS CEBs INCOMODAVAM

No tempo em que se questionava muito todas as estruturas de poder opressivo, foi inevitável o questionamento das relações de poder na Igreja, especialmente no que diz respeito à hierarquia. Isto causou incômodo a padres e bispos, acostumados a governar em nome de Deus, e desacostumados a serem contrariados em tudo o que se refere ao exercício de seu poder. A ânsia de participação do laicato, estimulada pelos ventos do Concílio Vaticano II, conferências do CELAM e seus desdobramentos na vida da Igreja, causou insegurança em quem não conseguiu mudar a ótica de poder para a ótica de serviço. Vimos marginalizações de leigos e leigas discordantes e tensões entre hierarquia e laicato. Talvez haja atualmente, quem fique arrepiado(a) ao ouvir a sigla CEBs, como se arrepiava na época com a suspeita de influência comunista.
A mídia alinhada aos poderosos, e voz única enquanto durou o golpe militar de 1964, transformava quaisquer servidores de Deus em comunista, e qualquer CEB e pastoral social em célula comunista. Muita gente da Igreja engoliu a ideologia anti-comunista, e foi mais um peso nas costas daqueles que já sofriam com o regime. Durante este tempo de trevas, a Igreja do Brasil, pelo menos parte dela, foi a defensora dos índios e negros contra as agressões a seus direitos e culturas, dos posseiros de terras, dos favelados, dos operários, da dignidade e dos direitos da mulher, dos presos e dos menores das FEBEM e FUNABEM violentados nos seus direitos humanos, e das vítimas de perseguição política. As CEBs formaram lideranças sociais e políticas, e abraçaram a luta pela
justiça social. Essas lideranças pressionavam os padres e bispos a se posicionarem claramente contra o latifúndio, contra a repressão militar e policial, contra a exploração capitalista, e em favor das bandeiras que carregavam. Muitos quiseram ficar em cima do muro. Do vigário da roça que mantinha a igreja com o bezerro do fazendeiro, até o bispo que subia em palanque com o general.
Essa incoerência era criticada pelas lideranças das CEBs, e interpretada muitas vezes como desacato à hierarquia. Havia quem dissesse que as CEBs queriam uma Igreja sem padres. Houve e há quem diga que as CEBs querem uma luta de classes. Para quem está no poder, é mais fácil arranjar um pretexto para acusar, do que reconhecer sua falta de sensibilidade para o sofrimento das ovelhas, e até a cegueira de se aliar aos lobos. Acredito que muitos dos que formaram lideranças em suas paróquias e dioceses, não imaginavam que essas lideranças viriam mais tarde questioná-los. Olhando deste ponto de vista, caros leitores, vocês entendem porque tantos agentes de pastoral deixaram a Igreja e partiram para a militância política sem ela?

O PROBLEMA DO RÓTULO

As pequenas comunidades que me inspiraram a vida cristã e a vocação presbiteral, eram comuns: haviam as pastorais sacramentais, da juventude, a catequese, os grupos de reflexão, encontros de casais. Mais tarde a pastoral da criança, algum movimento social, sinais de solidariedade, os vicentinos, apostolado da oração, grupos de oração carismático, e outros mais tradicionais.
Com o mutirão evangelizador proposto e liderado por Dom Clóvis Frainer OFM Cap, então arcebispo de Juiz de Fora, estruturamos a paróquia em pequenas comunidades missionárias. São pequenos grupos de pessoas que moram numa região, num canto de bairro, que refletem e rezam juntas, que visitam as pessoas nas casas, levam comunhão aos enfermos, preparam pais e padrinhos para o Batismo, acompanham famílias da pastoral da criança, atendem aos necessitados procurando se antecipar ao pedido, catequizam, e se alimentam da Palavra de Deus num grupo de reflexão, e fazem celebração da partilha. Entre as lideranças dessas pequenas comunidades estão vicentinos, membros da renovação carismática, apostolado da oração, rosário perpétuo, membros do conselho local de saúde, gente envolvida com projetos sociais oficiais ou não.
As Santas Missões Populares, encaminhadas pelo atual arcebispo Dom Eurico Veloso, vieram confirmar a natureza missionária dessas comunidades, e exigir mais iniciativa nessa visitação. Quando tem um encontro de CEBs, vão essas pessoas, quando tem encontro das Santas Missões Populares vão essas pessoas. São pequenas comunidades missionárias. São formadas por pessoas pobres da periferia (Base), que vivem em comunidade e constroem Comunidade, cultivam a partilha e a solidariedade. Sua vida se fundamenta na Palavra de Deus, se alimentam dos sacramentos, e buscam viver em comunhão entre si e com as demais (Eclesial).
A realidade e o conteúdo dessas “entidades” eclesiais são uma atualização neste contexto em que vivemos, das comunidades retratadas nos Atos dos Apóstolos, com todas as virtudes e limites que as pessoas têm, e com a força e a fragilidade dessas estruturas de Igreja. E aí? O que somos? CEBs ou Pequenas Comunidades? Onde está a diferença?

*Presbítero da Arquidiocese de Juiz de Fora.


Obrigado Padre José, pela contribuição em nosso blog.
Abraços - Dulce

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