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Eclesiais de Base.






sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE NA IGREJA DO BRASIL

7° Reunião Ordinária do Conselho Permanente

Brasília, DF, 23 a 26 de novembro de 1982

Introdução

1. As Comunidades Eclesiais de Base constituem hoje, em nosso país, uma realidade que expressa um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja e, por motivos diversos, vai despertando o interesse de outros setores da sociedade.
2. Podemos fazer nossas as palavras dos bispos em Puebla: ”As comunidades de base que, em 1968, eram apenas uma experiência incipiente, amadureceram e multiplicaram-se. Em comunhão com os seus bispos, converteram-se em centros de evangelização e em motores de libertação e desenvolvimento” (DP 96).
3. Fenômeno estritamente eclesial, as CEBs em nosso país nasceram no seio da Igreja-instituição e tornaram-se “um novo modo de ser Igreja”. Pode-se afirmar que é ao redor delas que se desenvolve, e se desenvolverá cada vez mais, no futuro, a ação pastoral e evangelizadora da Igreja.
4. Fator de renovação interna e novo modo de a Igreja estar presente ao mundo, elas constituem, por certo, um fenômeno irreversível, senão nos detalhes de sua estruturação, ao menos no espírito que as anima.
5. Como pastores, atentos à vida da Igreja em nossa sociedade, queremos olhá-las com carinho, estar à sua escuta e tentar descobrir através de sua vida, tão intimamente ligada à história do povo no qual elas estão inseridas, o caminho que se abre diante delas para o futuro.
6. Este documento tem abrangência e alcance limitados. Não quisemos encarar aqui todos os aspectos de organização, de vida e de criatividade das CEBs. Nem entramos nas diferenças entre os vários tipos de comunidades.
As CEBs terão outras oportunidades para exprimir a experiência que vivem, os obstáculos que encontram e as esperanças que guardam. Neste documentos, portanto, queremos apenas refletir sobre a caminhada das CEBs à luz dos documentos da Igreja; explicitar sua eclesialidade; e abordar alguns problemas emergentes que exigem melhor elucidação.
Ao fazer isto, queremos colaborar para as comunidades permanecerem fiéis às suas origens e ajudar toda a Igreja do Brasil a compreender melhor a riqueza desse Dom do Espírito.

As Comunidades Eclesiais de Base no Brasil: origem e caminhada

7. As CEBs não surgiram como produto de geração espontânea, nem como fruto de mera decisão pastoral.
Elas são o resultado da convergência de descobertas e conversões pastorais que implicam toda a Igreja – povo de Deus, pastores e fiéis – na qual o Espírito opera sem cessar.
8. Já o Plano de Emergência (1962) afirmava: “Urge vitalizar e dinamizar nossas paróquias, tornando-as instrumentos aptos a responder à premência das circunstâncias e da realidade em que nos encontramos”. Um dos caminhos propostos para isso era fazer da paróquia “uma comunidade de fé, de culto e de caridade” para que se tornassem “fermento da comunidade humana”.
9. Recomendava-se “identificar as comunidades naturais e iniciar o trabalho a partir da realidade que apresentam”. “Nestas comunidades abertas à evangelização, os elementos dinâmicos irão ajudar a despertar e formar líderes das novas comunidades. Aos leigos cabe nestas comunidades um papel muito decisivo” (5,5).
– “Observar que a conquista das comunidades pagãs ou indiferentes dos centros urbanos será feita de preferência por penetração das comunidades naturais. O método mais seguro é a evangelização partindo dos problemas de vida” (5.6).
10. Nestas afirmações já se encontravam em germe alguns traços constitutivos do que viria a ser a comunidade eclesial de base.
11. O Concílio Vaticano II, eminentemente pastoral, provocou um grande impacto na Igreja. Suas grandes idéias-chave trouxeram a fundamentação teológica para a intuição, já sentida na prática, de que a renovação pastoral deve se fazer a partir da renovação da vida comunitária e de que a comunidade deve se tornar instrumento de evangelização.
12. As CEBs nasceram nutridas por estas idéias-chave, entre as quais se podem salientar:
- A Igreja como Povo de Deus, no qual “a cada um é dada a manifestação do Espírito para a utilidade comum” (1Cor 12,7).
- A Igreja como “sacramento ou sinal e instrumento da união profunda com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (LG 1). Dito de outra maneira: a Igreja como comunhão profunda de pessoas tornada visível na comunidade participante e responsável.
- O papel insubstituível do leigo e sua missão específica na Igreja e no mundo (LG 76ss – AA).
A função da Igreja, que caminha juntamente com a humanidade inteira, experimenta com o mundo a mesma sorte terrena e é “como que o fermento e a alma da sociedade humana”(GS 322). História humana e história da salvação se integram.
De forma privilegiada, as CEBs redescobrem, na leitura bíblica, o aspecto libertador da História da Salvação. Vêem sua própria caminhada prefigurada no Êxodo do Povo de Israel e atualizada na vivência do Ministério Pascal de Jesus Cristo. Assumem sua luta pela justiça como realização do profetismo na sociedade de hoje. Redescobrem também a vivência fraterna das comunidades primitivas que se encontravam na oração e na fração do pão, partilhavam seus bens e viviam unidos num só coração e numa só alma (At 2,4).
13. O Plano de Pastoral de Conjunto da CNBB P.P.C., (1966-1970), - que tinha como objeivo criar os meios e condições para que a Igreja do Brasil se ajuste à imagem da Igreja do Vaticano II, afirmava: “A Igreja é e será sempre uma comunidade. Nela estará sempre presente e atuante o ministério da Palavra, a vida litúrgica e especialmente eucarística, a ação missionária, a formação na fé de todos os membros do Povo de Deus, a presença de Deus no desenvolvimento humano, a organização visível da própria comunidade eclesiástica” (P.P.C. pág. 27).
14. A extensão geográfica e a densidade populacional da paróquia constituem um obstáculo à vivência da comunidade. Então diz o Plano: “Faz-se urgente suscitar e dinamizar, dentro do território paroquial, comunidades de base onde os cristãos não sejam pessoas anônimas, se sintam acolhidas e responsáveis e delas façam parte integrante, em comunhão de vida em Cristo e com todos os seus irmãos” (P.P.C. págs. 38-39).
15. Aparecem em filigrana duas idéias que vão tornar-se, mais tarde, os eixos da ação pastoral no Brasil e mesmo no continente latino-americano: “comunhão e participação”.
16. Referindo-se às experiências incipientes das CEBs, Medellín (1968) justificava por diversos motivos pastorais seu desenvolvimento, assumindo plenamente a eclesiologia do Concílio nas escolhas pastorais propostas. “A comunidade eclesial de base deve, em seu próprio nível, responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé, como também pelo culto que é sua expressão. É ela, portanto, célula inicial da estruturação eclesial e foco de evangelização e atualmente fator primordial da promoção humana e desenvolvimento” (15.III.10).
17. Sintonizando com o Concílio que afirmava “o direito de todos à civilização humana, conveniente à dignidade da pessoa, sem discriminação de sexo, nação, religião ou condição social”, o mérito particular de Medellín foi ter ouvido o grito das situações desumanas do continente e lhe ter dado o acolhimento oficial da Igreja.
18. Em sua mensagem final ao povo da América Latina, dizem os bispos: “À luz da fé que professamos como fiéis, fizemos um esforço para descobrir o Plano de Deus nos ‘sinais de nossos tempos’. Interpretamos que as aspirações e clamores da América Latina são sinais que revelam a orientação do Plano divino operante no amor redentor de Cristo que funda estas aspirações na consciência de uma solidariedade fraterna”.
19. Nos sucessivos Planos de Pastoral de nossa Conferência Episcopal, mereceram, as CEBs, uma atenção crescente até serem assumidas como “prioridade” nos 3° e 4° Planos Bienais.
20. O Sínodo dos Bispos de 1974, ao tratar da evangelização no mundo de hoje, refletiu sobre as experiências de CEBs que se realizavam um pouco em toda parte. A partir dos dados do Sínodo, Paulo VI escreveu a Exortação Apostólica Evangelli Nuntiandi ( A evangelização no mundo contemporâneo). Depois de expor as novas dimensões da evangelização em nosso tempo, o Santo Padre, como que dando às CEBs o título de reconhecimento oficial, indicava-lhes condições de ser lugar e meio de evangelização.
21. Em sua caminhada, as nossas CEBs puderam se apoiar nessas orientações claras e seguras de Evangelli Nuntiandi e aproveitar toda a reflexão de estudos e documentos da CNBB, bem como de múltiplos e variados encontros das próprias CEBs.
22. Com Puebla, podemos constatar: “Nas pequenas comunidades, mormente nas mais bem constituídas, cresce a experiência de novas relações interpessoais na fé, o aprofundamento da palavra de Deus, a participação na Eucaristia, a comunhão com os pastores da Igreja particular e um maior compromisso com a justiça na realidade social dos ambientes em que se vive” (DP 640).
23. Revendo os passos feitos no decorrer destes vinte anos, não parece ousado afirmar que as nossas CEBs, inspirando-se nos ensinamentos do Concílio, tornaram-se instrumentos da construção do Reino e concretização das esperanças de nosso povo.

A eclesialidade das CEBs

24. Em sua viagem pastoral ao Brasil, o Santo Padre entregou aos bispos uma mensagem para os líderes das comunidades de base. Nesta, o Santo Padre reafirma sua confiança nas CEBs e se detêm particularmente no aspecto de sua eclesialidade.
25. “Entre as dimensões das Comunidades Eclesiais da Base, julgo conveniente chamar a atenção para aquela que mais profundamente as define e sem a qual se esvairia sua identidade: a eclesialidade. Sublinho essa eclesialidade, porque está explícita já na designação que, sobretudo na América Latina, as comunidades receberam. Ser eclesiais é sua marca original e seu modo de existir e operar. E a base a que se referem é de caráter nitidamente eclesial e não meramente sociológico ou outro” (n° 3).
26. Também nós, bispos, ao olharmos cheios de alegria e esperança para as CEBs, gostaríamos de recordar com especial empenho este aspecto consciente de estarmos,assim, garantindo sua vitalidade profunda.
27. “Uma delicada atenção e em sério e corajoso esforço para manter em toda a sua pureza a dimensão eclesial dessas comunidades é um eminente serviço que se presta, de uma parte, a elas próprias, e, de outra parte, à Igreja. A elas, porque o preservá-las em sua identidade eclesial é garantir-lhes a liberdade, a eficácia e a própria sobrevivência. À Igreja, porque só servirão à sua missão essencial de evangelização comunidades que vivem autenticamente a inspiração eclesial sem dependências de outra ordem. Aquela atenção e aquele esforço são um dever sagrado do sucessor de Pedro, por força de sua ‘solicitude por todas as Igrejas’ (cf. 2Cor 11,28). São um dever de cada bispo em sua diocese e dos bispos, colegialmente unidos, no âmbito de uma nação. São um dever também dos que têm alguma responsabilidade no seio das próprias comunidades” (n° 4).
28. As notas características de uma verdadeira comunidade eclesial foram explicitadas por Paulo VI na Exortação Apostólica A evangelização no mundo contemporâneo (n° 58). João Paulo II recorda seus pontos principais: “Essa eclesialidade se concretiza em uma sincera e leal vinculação da comunidade aos seus legítimos pastores, em uma fiel adesão aos objetivos da Igreja, em uma total abertura às outras comunidades e à grande comunidade da Igreja universal, abertura que evitará toda tentação de sectarismo” (n°5).
29. Já em Puebla, os bispos da América Latina se perguntavam: “Quando é que uma pequena comunidade pode considerar-se verdadeira comunidade eclesial de base”? e respondiam:
30. “As CEBs, como comunidade, integra famílias, adultos e jovens em estreito relacionamento interpessoal na fé. Como eclesial, é comunidade de fé, esperança e caridade; celebra apalavra de Deus e se nutre com a Eucaristia, ponto culminante dos demais sacramentos; realiza a palavra de Deus na vida, mediante a solidariedade e o compromisso com o mandamento novo do senhor; torna presente e atuante a missão eclesial e a comunhão visível com os legítimos pastores, através do serviço de coordenadores aprovados. É de base por estar constituída por um pequeno número de membros em forma permanente e como célula da grande comunidade” (DP 641).
31. As CEBs que têm garantido essas características fundamentais têm, igualmente, experimentado uma grande vitalidade. Ela será tanto maior quanto mais intensa for a eclesialidade vivida na prática comunitária do povo de Deus, sobretudo dos mais pobres e humildes. Fiéis às condições essenciais que as definem como Igreja, as CEBs têm demonstrado grande riqueza e criatividade em sua maneira de ser e viver a vocação de Igreja presente no mundo.
32. Reconhecem serem convocadas e alimentadas pela palavra, sobre a qual refletem sob a ação do Espírito em vista à conversão pessoal e social.
33. Escutam a realidade, agem sobre ela e buscam transformá-la quando a situação exigir. Na base dessa ação sobre a realidade está a convicção de que Deus nos fala também pelos acontecimentos e nos chama a construir uma sociedade conforme o seu desígnio.
34. Estão ligadas entre si, com a paróquia, com a Igreja particular em que se inserem, com a Igreja universal, mantendo uma comunhão sincera com seus pastores.
35. Crescem na consciência do dever missionário. “Procurando, pela potência da mensagem que proclamam, converter ao mesmo tempo a consciência pessoal e coletiva dos homens, a atividade em que eles se aplicam e a vida e o meio concreto que lhes são próprios” (EN 18), elas evangelizam.
36. Celebram os acontecimentos diários como sinais da presença de Deus, tendo na Eucaristia a raiz e o cume da vivência fraterna .
37. Expressam sua caridade através do serviço: “Serviço mútuo no interior e serviço às comunidades humanas maiores nas quais elas estão inseridas como fermento, sinal e compromisso com a libertação do homem todo e de todos os homens”.
38. Qualquer que seja o caminho escolhido para sua realização, elas se esforçam em reproduzir na sua vida o próprio ministério da Igreja. Por isso, as CEBs no Brasil querem ser: comunidades de fé e de culto, sacramento da presença salvífica de Deus na história dos homens.
39. Diz a Lumen Gentium: “Em todas as legítimas comunidades locais de fiéis, que, unidas aos seus Pastores,são também no Novo Testamento chamadas de ‘igreja’, está verdadeiramente presente a Igreja de Cristo... Estas são, em seu lugar, o povo novo, chamado por Deus no Espírito Santo e em grande plenitude (cf. 1Ts 1,5). Nelas se reúnem os fiéis pela pregação do Evangelho de Cristo... Nelas se celebra o ministério da ceia do Senhor... Nelas se manifesta o símbolo daquela caridade e ‘unidade do corpo místico sem a qual não pode haver salvação’... Nestas comunidades, embora muitas vezes pequenas e pobres, ou vivendo na dispersão, está presente o Cristo, por cuja virtude consocia a Igreja uma, santa e apostólica” (LG 26).
40. Células vivas da Igreja, as CEBs, em seu conjunto, têm se constituído num fermento de espírito e de vida comunitária nas várias esferas da vida eclesial. Têm colaborado poderosamente na renovação das paróquias e dos vários processos pastorais, no sentido de uma crescente comunhão e participação. Em muitas partes, a pastoral de grupos se liga às CEBs como etapa preparatória de sua configuração. A pastoral vocacional e os novos ministérios recebem das CEBs um novo impulso e um campo muito concreto de desenvolvimento. Na prática de sua vida elas têm encontrado surpreendentes caminhos de uma evangelização, catequese e liturgia encarnadas, muito ligadas à palavra de Deus. Em sua “fome e sede de justiça”, têm encontrado caminhos de uma prática ecumênica concreta. Desenvolvem, ainda, um fenômeno de intercomunicação participativa e da formação do senso crítico diante da massificação dos meios de comunicação. No constante esforço de atuar, refletir e celebrar, as CEBs são uma alternativa de educação para os que buscam uma sociedade nova, onde o individualismo, a competição e o lucro cedem lugar à justiça e à fraternidade.
41. De tudo isso ressalta, com renovada clareza, a responsabilidade de todos aqueles presbíteros, religiosos e leigo que, nas CEBs, exercem, em diversos níveis, o papel de animadores. Deles se requer uma profunda fidelidade à Igreja ao mesmo tempo que uma grande abertura para novas maneiras de concretizar, na prática, sua dimensão comunitária e missionária. Citando a mensagem do Santo Padre, lembraríamos que o animador da comunidade de base, “muito mais que um mestre, é uma testemunha: a comunidade tem o direito de receber dele o exemplo persuasivo de vida cristã, de fé operosa e irradiante, de esperança transcendente, de amor desinteressado. Que ele seja, ademais, um homem que crê na oração e que reze” ( Mensagem aos líderes das Comunidades de Base n° 12).
42. Em sua caminhada,a fidelidade das CEBs é constantemente posta à prova em nossa sociedade cada vez mais pluralista e profundamente marcada por conflitos. A urgência de certos problemas vitais e a tentação de soluções simplistas representam riscos aos quais as comunidades devem estar atentas. Queremos, a seguir, refletir sobre alguns aspectos que nos parecem importantes, para que a caminhada das CEBs não só não se desvirtue mas, ao contrário, se firme e se torne mais fecunda.

Alguns aspectos particulares da Pastoral das CEBs

A CEBs e os pobres

43. Desde seu início, as CEBs floresceram mais entre as populações simples e pobres. Várias razões estão na raiz desse fato. Em um primeiro momento, foi, sobretudo, junto às populações dispersas pelo interior que as CEBs se firmaram. A ausência de um vigário residente levou mais rápido os leigos a assumir ministérios e a colocar a força da Igreja na comunidade dos irmãos. Padres e religiosos passaram, então, a assumir mais o papel de animadores de lideranças locais, deixando maior espaço para os leigos. Também nas periferias pobres das grandes cidades as CEBs passaram a florescer com intensidade. Aí, a tendência centralizadora de estrutura paroquial tradicional é menos sentida, pois o fenômeno da urbanização é recente e já encontrou uma Igreja com nova consciência comunitária e missionária.
44. Mas a aproximação das CEBs com o povo simples e pobre tem, sobretudo, uma conotação evangélica profunda. Na Bíblia, a posição privilegiada de Deus, que toma a defesa dos desamparados porque sua causa é justa.
45. Por outro lado, os pobres vivem mais os valores da fraternidade, da entreajuda e do serviço, que são determinantes nessa nova maneira de ser Igreja. Igualmente, conversam maior abertura e disponibilidade para as coisas de Deus em termos de interesse e tempo.
46. Além disso, a simplicidade das CEBs, tanto em sua dimensão e estrutura, como em sua linguagem, vivência e clima, corresponde mais à sua maneira espontânea e simples de viver. Isso levou as CEBs a ser lugar de grande integração na Igreja das pessoas simples, iletradas e pobres como membros participantes e ativos. Na estruturas paroquial, os pobres em geral se mantinham mais à distância, mais como destinatários que agentes da evangelização, mais beneficiários que responsáveis pelos vários serviços.
47. Por tudo isso, os bispos em Puebla puderam afirmar: “As CEBs são expressão do amor preferencial da Igreja pelo povo simples: nelas se expressa, valoriza e purifica sua religiosidade e se lhe oferece possibilidade concreta de participação na tarefa eclesial e no compromisso de transformar o mundo” (DP 643).
48. Não seria certo, porém, concluir-se daí que as CEBs só são possíveis entre as classes pobres. Pior ainda seria pensar-se em duas igrejas irredutíveis entre si: uma dos pobres, nas CEBs, e outra das classes médias ou ricas, na paróquia e outras organizações.
49. Seria desfigurar a própria natureza das CEBs, isolá-las dentro da Igreja ou dar-lhes como conteúdo primordial e constitutivo uma conotação sociológica. Lembrando as palavras do Papa Paulo VI na Evangelii Nuntiandi, repetimos que é preciso evitar “o perigo, por demais real, de se isolarem em si mesmas e, depois de se crerem a única autêntica Igreja de Cristo e, por conseqüência, perigo de anatematizarem as outras comunidades” (EN 58).
50. Assim, as CEBs colaborarão “para benefícios das comunidades mais amplas, especialmente das igrejas particulares, e serão uma esperança para a Igreja universal” (EN 58).
51. O fundamento das CEBs se dirige como ideal a todos os cristãos. Todos são chamados a viver intensamente a comunhão fraterna e a integração entre fé e história a partir de realidade e da vida concreta. Nesse sentido, a pastoral das CEBs interpela evangelicamente a pastoral paroquial tradicional, os grupos e movimento de igreja que, por seu feitio e linguagem, guardam maior proximidade com pessoas que pertencem a outras classes sociais.
52. Sobretudo, as CEBs são uma promessa rica de sugestões para uma redefinição da pastoral urbana cada vez mais urgente. Como diz Puebla: “Em especial, é preciso procurar como possam as pequenas comunidades, que se multiplicam sobretudo na periferia e nas zonas rurais, adaptar-se também à pastoral das grandes cidades do nosso Continente” (DP 648).
53. Isso, certamente, não se fará às custas do espaço conquistado, na Igreja, pelo povo simples e pobre em suas CEBs, e nem repetindo simplesmente sua caminhada. Será fruto de uma busca fraterna e participada por toda a Igreja. O ponto de convergência dessa busca é, certamente, uma vida mais evangélica, capaz de colaborar para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna: “Os cristãos unidos em comunidades eclesiais de base, fomentado sua adesão a Cristo, procuram uma vida mais evangélica no seio do povo, colaboram para questionar as raízes egoístas e de consumismo da sociedade e explicitam a vocação para a comunhão com Deus e com os irmãos, oferecendo um valioso ponto de partida para a construção duma nova sociedade, ‘a civilização do amor’ ” (DP 642).
54. As CEBs serão, então, evangelizadoras do mundo: “Cada comunidade eclesial deveria esforçar-se por constituir para o Continente um exemplo de modo de convivência onde consigam unir-se a liberdade e a solidariedade, onde a autoridade se exerça com o espírito do Bom Pastor, onde se viva uma atitude diferente diante da riqueza, onde se ensaiem formas de organização e estruturas de participação, capazes de abrir caminho para um tipo mais humano de sociedade, e, sobretudo, onde inequivocamente se manifeste que, sem uma radical comunhão com Deus em Jesus Cristo, qualquer outra forma de comunhão puramente humana acaba se tornando incapaz de sustentar-se e termina fatalmente voltando-se contra o próprio homem” (DP 273).

CEB e dimensão sócio-política da evangelização

55. A caminhada das CEBs tem seguido, passo a passo, a explicitação da missão evangelizadora da Igreja. Desde o início elas se apresentaram como uma proposta de assumir o global da vida, superando o espiritualismo desencarnado. O esforço das pequenas comunidades rurais do início, no sentido de criar condições mais humanas de vida, refletia bem a consciência da Igreja da época conciliar de que a evangelização tem implicações diante do subdesenvolvimento de vastas regiões do mundo.
56. As CEBs refletiam assim, em escala pequena e local, a tomada de consciência de toda a pastoral da Igreja como agente de desenvolvimento e promoção do homem. Medellín vê nas CEBs “célula inicial de estruturação eclesial e foco de evangelização e, atualmente, fato primordial de promoção humana e desenvolvimento” ( Medellín, 15,10).
57. O empenho das atuais CEBs na luta pela justiça e na libertação integral do homen reflete uma análise mais precisa da realidade social vista como fruto de injustiça das estruturas e opressões dos pobres. Também aqui as CEBs refletem a consciência da Igreja em termos de missão evangelizadora. “A ação pela justiça e a participação na transformação do mundo aparecem-nos claramente como uma dimensão construtiva da pregação do Evangelho, que o mesmo é dizer, da missão da Igreja, em prol da redenção e da libertação do gênero humano de todas as situações opressivas” (Sínodo, Justiça no Mundo, n° 6. Igualmente EN 30 e 31).
58. “São conhecidos os termos em que falaram de tudo isto, no recente Sínodo, numerosos bispos de todas as partes da terra, sobretudo os do chamado ‘Terceiro Mundo’, com uma acentuação pastoral em que repercutia a voz de milhões de filhos da Igreja que formam esses povos. Povos comprometidos, como bem sabemos, com toda a sua energia no esforço e na luta por superar tudo aquilo que os condena a ficarem à margem da vida: carestias, doenças crônicas e endêmicas, analfabetismo, pauperismo, injustiças nas relações internacionais e especialmente intercâmbios comerciais, situações de neocolonialismo econômico e cultural, por vezes tão cruel como o velho colonialismo político. A Igreja, repetiram-no os bispos, tem o dever de anunciar a libertação de milhões de seres humanos, sendo muitos destes seus filhos espirituais; o dever de ajudar uma tal libertação nos seus começos, de dar testemunho em favor dela e de envidar esforços para que ela chegue a ser total. Isso não é alheio á evangelização” (EN 30).
59. “Entre evangelização e promoção – desenvolvimento, libertação – existem de fato laços profundos: laços de ordem antropológica, dado que o homem que há de ser evangelizado não é um ser abstrato, mas sim um ser condicionado pelo conjunto dos problemas sociais e econômicos; laços de ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano da criação do plano da redenção, um e outro a abrangerem as situações bem concretas da injustiça que há de ser combatida e da justiça a ser restaurada; laços daquela ordem eminentemente evangélica, qual é a ordem da caridade; como sem poderia, realmente, proclamar o mandamento novo sem promover, na justiça e na paz, o verdadeiro e o autêntico progresso do homem? Nós próprios tivemos o cuidado de salientar isto mesmo, ao recordar que é impossível aceitar ‘que a obra da evangelização possa ou deva negligenciar os problemas extremamente graves, agitados sobremaneira hoje em dia, pelo que se refere à justiça, à libertação, ao desenvolvimento e à paz no mundo. Se isso porventura acontecesse, seria ignorar a doutrina do Evangelho sobre o amor para com o próximo que sofre ou se encontro em necessidade.
60. Pois bem: aquelas mesmas vozes que, com zelo, inteligência e coragem, ventilaram este tema candente, no decorrer do referido Sínodo, com grande alegria nossa forneceram os princípios iluminadores para bem se captar o alcance e o sentido profundo da libertação, conforme ela foi anunciada e realizada por Jesus da Nazaré e conforme a Igreja a apregoa” (EN 31).
61. A presença da Igreja no campo social só se completa com a atuação concreta, como diz Paulo VI: “No campo social a Igreja sempre teve uma dupla preocupação: iluminar os espíritos... e entrar na ação para difundir as energias do evangelho” (AO 48).
62. A Igreja tem, igualmente, consciência da dimensão política da pregação do evangelho. “A missão da Igreja é evangelizadora e de natureza eminentemente pastoral. Tal missão, entretanto, de nenhum modo a conduz a se omitir a respeito de problemas sócio-políticos do país, na medida mesma em que esses problemas sempre apresentam uma relevante dimensão ética” (Reflexão cristã sobre a conjuntura política – Conselho Permanente 1981, n° 2). “A Igreja não é intérprete de aspirações partidárias, nem mediadora de facções políticas. Isto não significa, porém que ela seja apolítica. Ela sabe que um pretenso apoliticismo significa, na prática, uma atitude política de anuência tácita a uma determinada configuração do poder político, qualquer que ele seja” (Idem, n° 6).
63. A dimensão sócio-política presente, portanto, na atuação das CEBs, é, de si, a mesma que deve estar presente em outras comunidades eclesiais e organismos de evangelização. O novo que as CEBs trouxeram foi o fato de oferecerem, dentro da Igreja, um espaço para o próprio povo simples participar da evangelização da sociedade através da luta pela justiça. Nesse sentido, as CEBs têm se manifestado como lugar privilegiado de educação para a justiça e como instrumento de libertação.
64. Mas, tanto as CEBs como as demais comunidades eclesiais, precisam estar atentas para que esse tipo de atuação, exigência da fé, se mantenha fiel à própria fé seja quanto ao conteúdo seja quanto aos métodos.
65. Nunca será demais aprofundar a plena dimensão da libertação que se busca. É preciso superar constantemente a tentação “de reduzir a missão da Igreja às dimensões de um projeto puramente temporal; de reduzir seus objetivos a uma perspectiva antropocêntrica; a salvação, da qual é anunciadora e sacramento, a um bem-estar material; sua atividade – esquecendo toda preocupação espiritual e religiosa – a iniciativas de ordem política ou social. Se isso fosse assim, a Igreja já perderia sua significação mais profunda. Sua mensagem de libertação não teria nenhuma originalidade e se prestaria a ser abafada ou manipulada pelos sistemas ideológicos e pelos partidos políticos” (EN 32).
66. Também a CEB perderia sua identidade se seu ideal de libertação não for o da plena libertação do homem em Cristo. Por isso, as CEBs devem estar sempre atentas em sua revisão para descobrir se é o global das exigências da fé que orienta sua vida e atuação ou se sua atividade se consome em empreendimentos de cunho social.
67. É necessário que a preocupação com o aprofundamento da palavra, a educação da fé, a conversão do coração, a celebração dos sacramentos, a oração façam parte da vida da comunidade e inspirem toda sua atuação social e política em vista do bem comum.
68. Aqui também nossa palavra se dirige mais diretamente aos animadores e agentes de pastoral das comunidades. O povo mesmo das comunidades nem conseguiria separar Deus e a salvação em Jesus Cristo de toda sua luta e caminhada. Aos agentes mais categorizados compete, com amor evángelico, zelar para que ideologias estranhas ou manipulações políticas não desfigurem a comunidade. É preciso voltar sempre às fontes eclesiais da comunidade. Essas fontes constantemente darão “uma inspiração de fé, uma motivação de amor frateno, uma doutrina social a que o verdadeiro cristão não pode deixar de estar atento, mas que deve tomar como base da própria prudência e experiência a fim de a traduzir concretamente em categorias de ação, de participação e de compreensão” (EN 38).
69. Ninguém veja nessas palavras uma reserva à atuação dos cristãos e das CEBs no campo sócio-político. Muito ao contrário, elas querem incentivar essa atuação e garantir sua força interior, que será tanto mais vigorosa quanto mais verdadeiramente evangélica.

As CEBs, a luta comum pela justiça e os movimentos populares

70. O Reino de Deus é mais amplo que a Igreja visível e seu conteúdo primeiro é tudo o que é fruto de verdade, justiça e amor, onde quer que isso aconteça. Igualmente, sua realização é obra do Espírito através dos cristãos, mas também através de todo homem de boa vontade. Igualmente a CEB, pequena igreja local, não pode arrogar-se o monopólio do Reino de Deus só para e no lugar ou ambiente onde existe e atua.
71. Como Igreja, a CEB é sinal e instrumento do Reino, é aquela pequena porção do povo onde a palavra de Deus é explicitamente acolhida e celebrada nos sacramentos, sinais da fé sobretudo na Eucaristia.
72. Para ser membro de uma CEB, não basta, portanto, a prática da justiça. É preciso mais, é preciso explicitar essa prática na pessoa e na obra de Cristo. Igualmente, não basta a uma CEB promover os valores do Reino. Para ser fiel à sua identidade, essa promoção tem de guardar uma relação constante e explícita à pessoa e missão de Jesus Cristo, Filho de Deus, e seu mistério pascal, através do qual se deu a instauração do Reino de Deus na humanidade. Toda vida das CEBs deve ser direcionada para o Reino de Deus, mas firmemente enraizada da celebração e aprofundamento da fé.
73. No anúncio e promoção dos valores do Reino, os membros da CEB e a própria CEB se encontrarão com pessoas e grupos que lutam pelos mesmos valores, ou semelhantes, mas que não comungam da mesma fé ou são membros de outras igrejas. O campo da promoção da justiça e da dignidade da pessoa humana são campos privilegiados de colaboração fraterna entre as igrejas cristãs e destas com todos os homens de boa vontade. Conservando sua própria identidade, as CEBs devem se abrir para reflexão e atuação conjunta em tudo o que for benefício da pessoa humana.
74. Mais delicado se torna o problema quando se trata de colaboração com grupos ideológicos fechados em si mesmos e, sobretudo, com grupos que explicitamente repudiam a fé e a abertura para Deus. Sem negar os valores que tais grupos trazem, é preciso sempre distinguir o nível e a possibilidade de colaboração. Se com alguns grupos não explicitamente cristãos elas podem assumir a realização de projetos concretos, com outros, por vezes, essa colaboração não poderá ir além de uma concordância quanto a certos objetivos válidos, deixando sempre clara a profunda divergência na concepção de mundo, de homens e de seu destino.
75. Na prática, hoje, as CEBs que congregam as pessoas pobres e simples da periferia e zona rural precisam se situar diante dos movimentos populares que mais recentemente têm emergido como instrumento das lutas do povo por uma sociedade mais justa. Muitos membros e líderes desses movimentos pertencem às CEBs e foram mesmo despertados destro delas. Por outro lado, circunstâncias anteriores fizeram com que pessoas de boa vontade, mas sem fé, participassem das promoções das CEBs que, como Igreja, constituíam o único lugar tolerado de atuação social.
76. Sem destruir os laços fraternos criados e sem prejudicar os passos dados, é necessário manter clara a distinção entre CEBs e movimentos populares. Os movimentos populares são movimentos sociais entre as classes mais pobres e seus objetivos são a libertação e promoção sócio-política do povo. Eles não são movimentos de Igreja, não dependem dela em sua organização e atuação, tendo plena autonomia com relação à Igreja. As CEBs precisam tomar consciência disto para não ocupar um espaço que não é seu e imprimir um ritmo de vida eclesial a um movimento secular. Da mesma forma, as CEBs perderiam sua identidade se, para se acomodar aos movimentos populares, alterassem seu modo de vida e seus valores explícitos de fé.
77. Isso posto, vale plenamente para as CEBs tudo o que a Igreja ensina sobre a presença e atuação dos cristãos na estrutura e organização do mundo. Nesse sentido, os movimentos populares, as promoções de bairro, os ambientes de trabalho e convivência são campos a serem fermentados pelas CEBs com o fermento e as energias do Evangelho com relação à libertação integral do homem.

A CEB e os movimentos de leigos

78. Constatamos com alegria que as CEBs abriram um novo e fecundo espaço de participação dos leigos na Igreja. Isso acontece não só pela participação mais ativa que as CEBs oferecem por sua dimensão mais humana e pela proximidade da vida da pessoa, mas também porque propicia uma nova e mais variada distribuição dos vários serviços e ministérios eclesiais. Essa maior participação dos leigos e o surgimento de novos ministérios são dois frutos da maior significação na vida da Igreja.
79. Isso não quer dizer, porém, que as CEBs sejam um novo movimento de leigos. A CEB não é um movimento, é nova forma de ser Igreja. É a primeira célula do grande organismo eclesial ou, como diz Medellín, “a célula inicial de estruturação eclesial”. Como Igreja, a CEB guarda as características fundamentais que Cristo quis dar à comunidade eclesial. A CEB é uma maneira nova de realizar a mesma comunidade eclesial que é o Corpo de Cristo. Por isso mesmo, o ministério pastoral ou hierárquico faz parte da CEB. O bispo ou padre não são de fora, não são meros assessores ou acompanhantes. Sua presença, mesmo não contínua, tem um sentido especial e única, já que, como em qualquer comunidade eclesial, eles tornam presente o Cristo cabeça.
80. Para as CEBs, portanto, não basta que, como qualquer movimento cristão, estejam unidas a seus bispos e padres. As CEBs são células do corpo eclesial e, por isso, guardam laços de natureza mais íntima no relacionamento com os pastores que, em nome de Senhor, estão à frente das Igrejas. Isso não suprime a justa autonomia das CEBs no desenvolvimento de sua vida e missão própria, mas acarreta especiais exigências de comunhão e corresponsabilidade eclesial.
81. A par disso, é preciso igualmente enfatizar que nas CEBs há especiais condições de o leigo crescer e se formar membro adulto de uma comunidade eclesial, sem abdicar de sua vocação e papel em mãos da hierarquia. Como, igualmente, nas CEBs há melhores condições de os ministros exercerem seu serviço sem abafar a criatividade, a iniciativa e a participação dos leigos. Por isso mesmo, as CEBs sempre foram e são vistas como forma excelente de realização do ideal de comunidade eclesial.
82. Aí toda a comunidade tem real oportunidade de assumir sua missão e as várias vocações e ministérios colaboram para a edificação e vitalidade constante das mesmas. Dessa maneira as CEBs, ao contrário de poderem dispensar o ministério hierárquico, exigem um ministério mais disponível, mais dedicado, capacitado para o crescimento da fé, a celebração viva dos sacramentos, e a caminhada da comunidade em comunhão comas outras comunidades da Igreja Particular na fidelidade à sua vocação eclesial.

A coordenação e responsabilidade última nas CEBs

83. Como os bispos reunidos em Puebla repetimos que “como pastores, queremos resolutamente promover, orientar e acompanhar as comunidades eclesiais de base, de acordo com o espírito de Medellín e os critérios da Evangelii Nuntiandi; favorecer o descobrimento e a formação gradual de animadores para elas” (P. 648). Estamos cada vez mais convictos da imensa riqueza que as CEBs podem trazer para nossas igrejas do Brasil e para a revitalização da ação evangelizadora. Em nossas dioceses experimentamos uma imensa alegria quando entramos em contato mais direto com as CEBs nas visitas pastorais e nos trabalhos de evangelização. Notamos também que essa alegria é todo o povo que quer viver em íntima comunhão com seus pastores. Se vez por outra alguma dificuldade é sentida, isso não é específico das CEBs mas pode acontecer com qualquer outra comunidade eclesial. São sinais de uma comunhão ainda imperfeita que exige uma conversão maior de todos. Mas a pastoral das CEBs é sempre mais parte orgânica de nossa pastoral, com muita freqüência figurando mesmo como área prioritária.
84. Nos últimos anos algumas igrejas começaram a promover encontros intereclesiais de comunidades de base reunindo comunidades de várias dioceses. Posteriormente participantes desses encontros continuaram promovendo encontros de nível nacional, pedindo a uma determinada Igreja Particular que os acolhesse. Esses encontros são preparados por encontros diocesanos e regionais onde se buscam representantes para os encontros nacionais.
85. Esse fato tem um aspecto altamente positivo enquanto dinamiza, aprofunda e sustenta o ânimo das comunidades que dão, igualmente, um testemunho de vitalidade e ardor pelo evangelho a toda a Igreja. Igualmente, os encontros nacionais têm contado sempre com a presença de bispos que os têm acompanhado.
86. Há, porém, alguns outros aspectos que, a esta altura de já tão longa e rica caminhada, necessitariam hoje de maior reflexão e encaminhamento para que a comunhão eclesial não sofra prejuízos. Seria necessário que a coordenação geral de cada encontro fosse mais assumida pelo Regional ou diocese que o acolhe. Igualmente, a coordenação dos encontros regionais e diocesanos de preparação deveriam ser assumidos oficialmente pelas dioceses e Regionais com aprovação oficial dos respectivos bispos. Na realidade, a coordenação da pastoral é um dos aspectos do ministério episcopal e deve ser exercido em profunda comunhão com o bispo e sob sua responsabilidade última.
87. Isso não visa em absoluto diminuir a participação ativa dos membros das comunidades, mas sim garantir a mais plena eclesialidade dos encontros. De fato, não raro, uma coordenação aparentemente mais espontânea pode colocar em riscos aspectos importantes da eclesialidade que esses encontros devem guardar.
88. Pertence aos bispos zelar pela caminhada das igrejas a eles confiadas e garantir para os próprios cristãos a autenticidade das promoções feitas pela Igreja ou em nome da Igreja. Queremos assumir sempre mais nossa missão em espírito de serviço fraterno e sabemos poder contar com o espírito de fé de nossas comunidades.

As CEBs, alvo de interesse e de incompreensão

89. Nestes últimos anos as CEBs começaram a atrair a atenção de vários setores da Igreja e da sociedade. Elas passaram, sobretudo, a ser alvo de pesquisa e estudo de teólogos e de noticiários dos veículos de comunicação social. Esse noticiário deixa transparecer claramente o interesse que certos grupos e instituições de fora da Igreja têm com relação às CEBs.
90. Tudo isso é um sinal da importância crescente das CEBs. Os estudos teológicos projetam luzes, ajudam a compreender essa nova realidade, mas não devem ser confundidos com a vida mesma das comunidades. E, por sua vez, a CEB tem dado uma contribuição significativa para a elaboração de linhas mais originais de nosso pensamento teológico e pastoral. A caminhada conjunta das CEBs e da reflexão teológica poderá significar uma revitalização constante da ação evangelizadora.
91. Outro significado bem diverso parece ter o interesse de instituições e grupos extra-eclesiais pelas CEBs. Aí, com frequência, o que se nota é a total desinformação, o desejo de manipulação, quando não a intenção de fazer das CEBs o alvo dos ataques mais gerais à Igreja.
92. Na realidade, o que está em discussão é a missão mesma da Igreja. O que é repudiado não são as CEBs em si mesmas, e sim todo o processo de evangelização voltado para a crítica profética das injustiças e empenhado na construção de uma sociedade mais fraterna. As CEBs, de maneira simples mas eficaz, conseguem praticar mais intensamente as exigências da doutrina social da Igreja. Elas tornam visível o compromisso com os pobres. Sua própria existência e atuação é uma denúncia da iniquidade social que rouba aos pobres sua voz e sua vez. Se as CEBs sofrem perseguição é por causa da Igreja, do Evangelho, e assim elas se constituem herdeiras da bem-aventurança.
93. A elas se aplicam as palavras do Senhor: “Não temais, pequenino rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12,32). O Espírito de fortaleza será sua força na contradição, e os pastores estarão sempre ao seu lado amparando e confirmando a caminhada.
94. Ao concluir estas reflexões, desejamos agradecer a Deus pelo dom que as CEBs são para a vida da Igreja no Brasil, pela união existente entre nossos irmãos e seus pastores, e pela esperança de que este novo modo de ser Igreja vá se tornando sempre mais fermento de renovação em nossa sociedade.

Conselho Permanente da CNBB
Brasília, 23-26 de novembro de 1982

CEBs e Pequenas Comunidades

José Carlos Picoli*


Li no texto aprovado e no texto original adulterado do documento de Aparecida, fala-se em CEBs e Pequenas Comunidades. Isso me lembra uma comunidade eclesial numa paróquia onde trabalhei, que rejeitou em bloco um roteiro de reflexão que trazia na capa a inscrição: “Círculo Bíblico”. Então troquei a capa, e escrevi: “Hora Santa”. Usaram o roteiro (o mesmo) com muita satisfação, e me disseram que queriam mais.

O PRECONCEITO

Há tempos que noto em muitas pessoas: leigos, padres, bispos, etc, uma antipatia ao rótulo: Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Quando ouvem este nome ou sigla, já dizem que não interessa, não querem saber ou ler nada a respeito... É uma espécie de alergia.
Alguns rejeitam pessoas ligadas às CEBs, e embolam tudo na sua rejeição. Outros compartilham o preconceito de amigos, parentes, e pessoas influentes em suas vidas. É uma alergia contagiosa. É como todo preconceito: “nunca vi, nem comi, só ouço falar” (Zeca Pagodinho). Clérigos e leigos que nunca tiveram uma experiência em nenhuma comunidade eclesial de base, souberam delas por livros, artigos, internet, fofocas (sempre negativas, é claro!), ou seja, não conhecem o que rejeitam.

MINHA EXPERIÊNCIA DE DEUS NAS CEBs

Eu venho de uma experiência de comunidades eclesiais vivas. Eram pequenos grupos de pessoas e/ou famílias que queriam colocar em prática o Evangelho em suas vidas. Participavam de Círculos Bíblicos com seus vizinhos, de um canto de bairro, e viviam uma busca de fraternidade, de solidariedade, e cultivavam uma espiritualidade pessoal e comunitária fundada especialmente nos evangelhos. Minha visão de mundo foi mudando, fui ficando mais crítico, enxergando além das aparências, tendo uma visão além do meu cotidiano: visão de conjuntura, visão da sociedade.
O método, agora vejo, era: ver a realidade, julgar com a Palavra de Deus, agir diante disso, e celebrar tudo isso. As celebrações eram mesmo celebrar a nossa vida, com nossa maneira de expressar, com os símbolos que nos falavam, com gestos que eram nossos. Aquilo nos unia, dava sentido à vida, fazia da vida projeto e Caminho.
Não havia essa coisa forçada de “temos que viver a comunhão com nossos pastores e com as demais paróquias e comunidades”. Nosso padre já estava na caminhada conosco, e ninguém pensava nele como outra instância. Muitos não gostavam quando ele dizia “verdades” de maneira rude. Mas não o viam como alguém de fora da caminhada, que não se compromete, que se considera maior que os demais, que vem de fora para impor coisas estranhas.
É evidente, que a grande maioria dos católicos ia à igreja por costume, tradição de família, uma fé que não crescia e nem comprometia com o Evangelho. Essas pessoas queriam o padre tradicional, fazendo o seu papel de rezador geral da sociedade majoritariamente católica, fazendo os ritos, os batizados, os sacramentos, as exéquias, e ponto. Se apertasse um pouco na direção do Evangelho, gritavam ou queriam mudar de padre.
E como ficávamos contentes, quando havia encontros com pessoas de outras paróquias/ comunidades, e partilhávamos nossas lutas, nossos sonhos, e nossas dificuldades. Era consolador, era animador, era unidade.
Havia a catequese, a pastoral do batismo, o grupo jovem, a equipe de liturgia, tudo como em qualquer outro lugar, mas em comunhão, com espaço para mútuo questionamento, e o padre no meio. Era natural discutirmos sempre os rumos da caminhada da comunidade, das pastorais, das reações do povo. Sentíamo-nos Igreja, cultivávamos o espírito missionário, a liberdade, a co-responsabilidade pastoral, a cidadania, e o sonho de um mundo mais justo e solidário. Ah! Havia os pecados, os impasses, as crises, os melindres, os medos, as fofocas, os ciúmes, mas isso não era posto em relevo. Era enfrentado, discutido, e não resolvido por decreto. Depois eu saí para ser seminarista, e as comunidades foram crescendo, também social e politicamente.

AS CEBs INCOMODAVAM

No tempo em que se questionava muito todas as estruturas de poder opressivo, foi inevitável o questionamento das relações de poder na Igreja, especialmente no que diz respeito à hierarquia. Isto causou incômodo a padres e bispos, acostumados a governar em nome de Deus, e desacostumados a serem contrariados em tudo o que se refere ao exercício de seu poder. A ânsia de participação do laicato, estimulada pelos ventos do Concílio Vaticano II, conferências do CELAM e seus desdobramentos na vida da Igreja, causou insegurança em quem não conseguiu mudar a ótica de poder para a ótica de serviço. Vimos marginalizações de leigos e leigas discordantes e tensões entre hierarquia e laicato. Talvez haja atualmente, quem fique arrepiado(a) ao ouvir a sigla CEBs, como se arrepiava na época com a suspeita de influência comunista.
A mídia alinhada aos poderosos, e voz única enquanto durou o golpe militar de 1964, transformava quaisquer servidores de Deus em comunista, e qualquer CEB e pastoral social em célula comunista. Muita gente da Igreja engoliu a ideologia anti-comunista, e foi mais um peso nas costas daqueles que já sofriam com o regime. Durante este tempo de trevas, a Igreja do Brasil, pelo menos parte dela, foi a defensora dos índios e negros contra as agressões a seus direitos e culturas, dos posseiros de terras, dos favelados, dos operários, da dignidade e dos direitos da mulher, dos presos e dos menores das FEBEM e FUNABEM violentados nos seus direitos humanos, e das vítimas de perseguição política. As CEBs formaram lideranças sociais e políticas, e abraçaram a luta pela
justiça social. Essas lideranças pressionavam os padres e bispos a se posicionarem claramente contra o latifúndio, contra a repressão militar e policial, contra a exploração capitalista, e em favor das bandeiras que carregavam. Muitos quiseram ficar em cima do muro. Do vigário da roça que mantinha a igreja com o bezerro do fazendeiro, até o bispo que subia em palanque com o general.
Essa incoerência era criticada pelas lideranças das CEBs, e interpretada muitas vezes como desacato à hierarquia. Havia quem dissesse que as CEBs queriam uma Igreja sem padres. Houve e há quem diga que as CEBs querem uma luta de classes. Para quem está no poder, é mais fácil arranjar um pretexto para acusar, do que reconhecer sua falta de sensibilidade para o sofrimento das ovelhas, e até a cegueira de se aliar aos lobos. Acredito que muitos dos que formaram lideranças em suas paróquias e dioceses, não imaginavam que essas lideranças viriam mais tarde questioná-los. Olhando deste ponto de vista, caros leitores, vocês entendem porque tantos agentes de pastoral deixaram a Igreja e partiram para a militância política sem ela?

O PROBLEMA DO RÓTULO

As pequenas comunidades que me inspiraram a vida cristã e a vocação presbiteral, eram comuns: haviam as pastorais sacramentais, da juventude, a catequese, os grupos de reflexão, encontros de casais. Mais tarde a pastoral da criança, algum movimento social, sinais de solidariedade, os vicentinos, apostolado da oração, grupos de oração carismático, e outros mais tradicionais.
Com o mutirão evangelizador proposto e liderado por Dom Clóvis Frainer OFM Cap, então arcebispo de Juiz de Fora, estruturamos a paróquia em pequenas comunidades missionárias. São pequenos grupos de pessoas que moram numa região, num canto de bairro, que refletem e rezam juntas, que visitam as pessoas nas casas, levam comunhão aos enfermos, preparam pais e padrinhos para o Batismo, acompanham famílias da pastoral da criança, atendem aos necessitados procurando se antecipar ao pedido, catequizam, e se alimentam da Palavra de Deus num grupo de reflexão, e fazem celebração da partilha. Entre as lideranças dessas pequenas comunidades estão vicentinos, membros da renovação carismática, apostolado da oração, rosário perpétuo, membros do conselho local de saúde, gente envolvida com projetos sociais oficiais ou não.
As Santas Missões Populares, encaminhadas pelo atual arcebispo Dom Eurico Veloso, vieram confirmar a natureza missionária dessas comunidades, e exigir mais iniciativa nessa visitação. Quando tem um encontro de CEBs, vão essas pessoas, quando tem encontro das Santas Missões Populares vão essas pessoas. São pequenas comunidades missionárias. São formadas por pessoas pobres da periferia (Base), que vivem em comunidade e constroem Comunidade, cultivam a partilha e a solidariedade. Sua vida se fundamenta na Palavra de Deus, se alimentam dos sacramentos, e buscam viver em comunhão entre si e com as demais (Eclesial).
A realidade e o conteúdo dessas “entidades” eclesiais são uma atualização neste contexto em que vivemos, das comunidades retratadas nos Atos dos Apóstolos, com todas as virtudes e limites que as pessoas têm, e com a força e a fragilidade dessas estruturas de Igreja. E aí? O que somos? CEBs ou Pequenas Comunidades? Onde está a diferença?

*Presbítero da Arquidiocese de Juiz de Fora.


Obrigado Padre José, pela contribuição em nosso blog.
Abraços - Dulce